Obra de Jacirema Cleia Ferreira -
Minhas Árvores
A genealogia é uma ciência auxiliar da história que estuda a origem, evolução e disseminação das famílias e respectivos sobrenomes, ou apelidos (sobrenomes derivados de alcunha).
Segundo a escritora Lélia Almeida* ( lelialme@yahoo.com.br)a genealogia feminina têm sido tema recorrente na literatura de autoria feminina. Textos de Margaret Atwood, Laura Esquivel, Lya Luft e Rachel Jardim trazem a público uma maneira própria de interpretar essa tendência: a representação das mães e filhas, dentro de um corpus ficcional onde essa relação se apresenta sempre de forma complexa e particular.
Lélia em seu texto Genealogias femininas em O penhoar chinês de Rachel Jardim, analisa as várias interfaces do bordar e narrar como transcrevo a seguir:
"1 TECER E NARRAR: O QUE TECEM AS FILHAS DE PENÉLOPE?
O texto de Rachel Jardim, dividido claramente em três partes, trata de um diálogo entre uma mãe e uma filha que se dá depois da morte da mãe que deixa para a filha, como uma espécie de herança, de legado, uma carta, que constitui a parte central, o miolo do texto.
A narrativa inicia com uma reflexão sobre o tempo, que aparece como tendo o mesmo significado do tecido gasto do bordado no bastidor. Assim, recuperar o tempo e retomar o bordado situam-se na mesma ordem de significado de resgatar a memória:
[...] O tempo o que é? [...] Tento recompor este tecido gasto trabalhando com a agulha mais fina para não ferir demais as fibras envelhecidas, Ajeito os óculos com mãos meticulosas, e me lembro de que, quando pegava o bastidor e sentava no sofá do lado oposto de minha mãe, o risco logo surgia nítido diante dos meus olhos, um traçado azul, mapa da viagem a ser iniciada. O tempo emprega os seus pequenos instrumentos de tortura, com os quais nos fere sem grandeza. A enlouquecida teimosia que me levou a retomar esse bordado quase impossível de ser recuperado é a mesma que me atirava na infância as empreitadas mais absurdas, pelo gosto de desafiar a ordem das coisas, a tirania das tramas secretas que conduziam nosso destino. (p.3)1
Essa imagem inicial, a de uma mulher que borda, leva-nos a algumas reflexões que situam o romance de Rachel Jardim numa tradição de textos de autoria feminina e a uma concepção do tempo típica desses textos.
São vários os romances de autoria feminina que usam e abusam do procedimento da construção da trama relacionada à confecção de uma colcha, uma manta, um patchwork ou de um penhoar, como no caso de Rachel Jardim. Vemos presente, ativa, a figura arquetípica de Penélope que, entre nós, encarna o mito e o ideal feminino da mulher que espera e que, enquanto espera, tece e borda.
No mito grego, no entanto, Penélope espera a volta de Ulisses, o herói conquistador que se perdeu por horizontes longínquos e tarda em voltar. Mas Penélope não tece para se distrair. Tece com o pretexto de enganar seus pretendentes, que, certos da morte de Ulisses, a pressionam contrair novas bodas. Ela decide então começar a bordar um tapete e só ao término do trabalho fará sua escolha, a escolha do pretendente. A estratégia de Penélope, como sabemos, era outra. O que ela tecia durante o dia, desfazia durante a noite, adiando indefinidamente o término do trabalho e a escolha do novo consorte. Mas Penélope esperava por Ulisses, sabia de intuição profunda que o marido, não só não havia morrido como haveria de voltar, e então sua longa espera seria recompensada e sua paciência estaria francamente justificada.
Esta é uma das mais claras e populares imagens de feminilidade, a da mulher que espera um consorte, um amor, espera seu amor, seu consorte e que, enquanto espera, pacientemente, borda, tece, junta os fios e as cores.
Um dos procedimentos recorrentes entre as autoras dos anos 70 e 80 do século passado é a releitura ou reiterpretação de mitos ou arquétipos femininos criados pela cultura patriarcal e que cristalizaram determinadas imagens femininas como estereótipos. O mito de Penélope, ícone indiscutível e adorado da cultura patriarcal, quer-nos fazer acreditar que o destino das mulheres é esperar por seus homens, e esperar pacientemente, o que as dignifica sobremaneira. E, além de esperar pacientemente, Penélope tece, como abelha industriosa, distraindo-se produtivamente, enquanto tece. É este um dos tantos mandatos patriarcais sobre algumas condutas femininas ao longo da história do mundo: às mulheres cabe esperar pacientemente, labutar produtivamente e enquadrar-se passivamente à imagem do peito que acolhe o descanso do guerreiro.
Quando algumas autoras retomam e reescrevem alguns mitos ou reiterpretam alguns personagens literários, a história que nos é contada começa por mostrar a possibilidade de novas imagens de mulheres, correspondentes às novas condutas."
E de forma extraordinária ela cita mulheres, suas obras e estórias envolvendo a arte de tecer e bordar:
Entre a literatura feminina, destacada por ela , que mais me interessou listo a seguir e uma pequena sinopse dos livros:
SENTINELA -Lya Luft-"Às vésperas da inauguração de uma empresa chamada Penélope e num momento de vida em que faz balanços e organiza contabilidades, a protagonista Nora apresenta-se assim:é a sensação de ter voltado para casa, fechado um ciclo, concluido uma fase importante de uma complicada tapeçaria.
COMO ÁGUA PARA CHOCOLATE-Laura Esquivel- Tita a protagonista para proteger-se da culpa e da angústia que sente por desejar o noivo da irmã,decide começar a tecer uma colcha que a obrigasse do frio e da solidão.Vejam o filme é excelente!
VULGO,GRACE-Margaret Atwood- O próprio sumário do romance de quinze capítulos, corresponde a quinze nomes de traçados de bordados típicos dos patchworks americanos e canadenses.Cada traçado conta uma história, tem uma concepção, quase sempre ligada a interpretações de fundo religioso ou moralista, para a boa educação feminina que, assim, bordando, vai cultivando o espírito. Exemplos de nomes desses padrões de bordados são Estrada de Pedras, Senhora do Lago, O Templo de Salomão, A Caixa de Pandora, A Letra X ou A Árvore do Paraíso, só para citar alguns. Cada um conta uma história representada, de forma padrão, no risco dos bordados e colchas que eram muito populares entre as moças da época e cada uma delas devia bordar a própria colcha, peça fundamental de seu enxoval.
Para cada obra destas incríveis autoras da história da genealogia feminina é a história dos cuidados com os outros sem que as mulheres praticamente encontrem no mapa de suas próprias vidas um modelo,uma figura de autoridade feminina, que possa conferi-lhes valor e importância.
Com grande profundida Adriana Lunard, faz uma reflexão sobre a história das grandes escritoras femininas e de sua própria história de vida.
VESPERAS- Adriana Lunard- Vésperas é uma homenagem a grandes escritoras, transformadas em personagens e retratadas na sua solidão, ambigüidades, paixões e angústias. A idéia de morte, sob diferentes focos, perpassa o livro, escrito como uma prosa poética. São nove histórias, cada uma delas envolve uma personalidade da literatura: Virginia Woolf, Dorothy Parker, Ana Cristina César, Colette, Clarice Lispector, Katherine Mansfield, Sylvia Plath, Zelda Fitzgerald e Júlia da Costa. Adriana Lunardi valeu-se de detalhes biográficos dessas mulheres, combinou-os com a sua ficção e, nos contos sobre Woolf, Parker, Colette, Mansfield e da Costa, intui e descreve os últimos dias e momentos de suas vidas.
No Penhorar Chines-de Rachel Jardim, livro comentado por mim, no penúltimo tópico, achei nas primeiras páginas, estas preciosas indicações de literatura feitas por mulheres!Já providenciei a aquisição dos livros acima indicados!